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Energia: Soberania "é um conceito do passado e não do futuro"

Marisa Silva  |  2023-05-11


A soberania energética nacional é um "conceito do passado, não é um conceito do futuro". O futuro tem de passar pela construção de "interdependências" e pela aposta em fontes de energia endógenas sob pena de, após a Rússia, a União Europeia ficar energeticamente dependente de outros países. Tem, também, de haver uma aposta em infraestruturas e na eletrificação, bem como o envolvimento dos cidadãos no processo de descarbonização. Os alertas foram deixados por quatro especialistas que, esta quinta-feira, compuseram o primeiro painel do Fórum Sustentabilidade e Sociedade. O tema central eram as "Tendências Globais na Energia".

"Aquilo que a guerra nos veio mostrar foi que a soberania nacional não existe. De um ponto de vista prático, não existe. Vimos que não existe na defesa. Militarmente, nenhum estado membro da União Europeia estava em condições de ajudar um outro país, nem mesmo a União Europeia no seu todo. Do ponto de vista energético, nenhum país, nem mesmo o estado membro mais rico que é a Alemanha, consegue garantir a sua independência energética", notou Jorge Vasconcelos, presidente da New Energy Solutions, frisando que "a grande lição que devemos retirar é que a soberania é um conceito do passado, não é um conceito do futuro".

"Não precisamos de voltar à reafirmação da soberania nacional, que não nos leva a nada. Temos de construir a interdependência. A oposição à dependência não é a independência porque essa, em absoluto, não existe. O que existe é a interdependência", sublinhou Jorge Vasconcelos, alertando que tal "só pode ser feito de forma eficaz se for feita à escala europeia e com um espírito construtivo e de cooperação".

Também José Carlos Matos, diretor do INEGI, sublinhou a importância da aposta nas energias renováveis sob pena de "corrermos riscos muito grandes" de dependência face a outros países.

"Quando procuramos fugir à dependência de um parceiro que seja menos fiável e, eventualmente, colocamo-nos nas mãos de outro que também não é grande coisa, podemos estar a correr alguns riscos. Quando começamos a ouvir outros nomes, como a Argélia, que estão permanente com Marrocos, temos que pensar duas vezes. Se calhar, mais do que diversificar o fornecimento pela via da geografia, é essencial apostar naquilo que são as fontes endógenas, procurar agir o mais localmente possível. Essa é uma tendência que se vai aprofundar cada vez mais porque, se não, corremos riscos muito grandes. Se hoje é a Rússia, amanhã é a Argélia e, a seguir, é outro país qualquer", notou José Carlos Matos, destacando a importância de não se perder uma "visão holística e sistémica" na transição energética.

Para Hugo Espírito Santo, da McKinsey & Company, é necessário "saber viver com a globalização". Até porque, referiu, "foi o motor do crescimento económico". "Não faz sentido pensar que vamos reverter esta tendência. Temos de garantir que existe um desenvolvimento sustentável em todas as regiões do mundo", afirmou.

Afirmando que a "Europa tem uma matriz energética muito diversa", Nelson Lage, presidente da Agência para a Energia, considerou que "Portugal tem feito o seu caminho" no âmbito da transição energética, com "uma aposta certo no setor eólico e solar". Sublinhou, ainda, que o país "tem um potencial grande em termos de lítio". "Penso que temos de continuar a apostar nesse recurso porque vai ser importante no cumprimento das metas que a própria União Europeia definiu", referiu.

No que toca aos consumidores que também são produtores, Jorge Vasconcelos acredita que esta é uma tendência que veio para ficar. E aponta duas razões. Uma delas é "técnico-económica". "Em muitos casos, essa já é a solução mais eficiente. E também por uma questão cultural. A sociedade altera-se, as expectativas alteram-se e os comportamentos alteraram-se", sublinhou.

Jorge Vasconcelos recordou que "75% dos europeus vivem em cidades" e destacou a importância de envolver a comunidade na transição energética. "O centro de gravidade da transição energética é a nível local. O nível nacional é importante para garantir a articulação das diferentes realidades a nível local. Os autarcas e os cidadãos são os agentes da mudança ou não vamos atingir os objetivos de 2030", alertou o presidente da New Energy Solutions.

Também Nelson Lage admitiu que "os municípios são cruciais", assim como o envolvimento dos cidadãos. "Sem um cidadão não se faz política energética", frisou o presidente da Agência para a Energia.


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