Patrícia Naves | 2023-02-10
Ministro considera essencial a democratização da Cultura. Mário Lúcio lembra que vivemos tempos acelerados e de cidadanias múltiplas
O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, definiu a democratização da cultura como ponto essencial das políticas do setor. No quinto de seis "Diálogos de Sustentabilidade", uma parceria entre o Global Media Group e a Fundação INATEL, o governante defendeu ainda uma maior atenção para a forma como a cultura pode ser um fator de inclusão e diálogo em Portugal, inclusive nas escolas que, neste seu papel, devem estar abertas à cultura urbana.
O tema estava lançado: diálogos interculturais como ferramenta para garantir comunidades sustentáveis e inclusivas. Na sua intervenção inicial, Adão e Silva destacou a importância da fruição da cultura, não só individual mas ao dar-nos "uma consciência de que fazemos parte de uma comunidade mais ampla", com uma história. Ela traz ainda "uma noção da diversidade" sendo, acima de tudo, "um sentido de pertença, um sentido de participação".
O ministro destacou também a ideia de que, hoje, todos fazemos parte de várias comunidades: "cada pessoa tem múltiplas identidades em simultâneo e pertence a comunidades que vão além fronteiras". E este é, frisou, um dos grandes desafios da sociedade: "como é que nós, a partir da afirmação da nossa identidade, somos capazes de utilizar essa afirmação para construir uma ponte e dialogar com os outros". A identidade, disse, deve servir "para dialogarmos e não para construirmos muros entre a capacidade de dialogar".
Ainda para Adão e Silva, "a democratização deve ser o princípio basilar em que devem assentar as políticas para a cultura", o que "obriga a que sejamos capazes de levar a cultura a camadas mais amplas da população", não apenas por justiça e equidade, mas porque isso "criará condições para termos uma criação artística e cultural mais rica".
Falando em pontes comuns, lembrou ainda uma "correspondência concreta" na vida coletiva dos portugueses e dos cabo-verdianos, já que a libertação de Portugal "coexiste" com a libertação de Cabo Verde e de outros países: uma "relação singular", frisou, porque "sabemos que as lutas de libertação nas antigas colónias foram decisivas para o desencadear da ação militar em Portugal".
Defendendo que nesta história partilhada tem de haver "capacidade para encarar os fantasmas", para o ministro será um exemplo destas pontes que, ao celebrar os 50 anos do 25 de Abril, se assinale também a libertação dos presos políticos em Portugal no dia 27, no Museu da Resistência em Peniche, e que a 1 de maio de 24, dia da libertação dos presos do Tarrafal, se faça o mesmo exercício em Cabo Verde.
Cabo Verde, Morabeza
Antes do ministro português a palavra foi de Mário Lúcio, cantor, escritor e antigo ministro da Cultura de Cabo Verde. Fazendo uma resenha histórica dos diálogos, ou ausência deles, Lúcio destacou como chegámos ao terceiro milénio, era da Internet, e tudo acelerou: a livre circulação, a identidade e cidadania múltiplas. "O desconhecido virou vizinho, o estranho virou família", disse. "O antigo desconhecido, o ex-dominado, o estranho de outrora é hoje da mesma cultura que eu", pelo que não há lugar a xenofobias - e a aposta nos diálogos intraculturais, que alguns países já iniciaram, é agora crucial no "processo de autoconhecimento" e no "caminho para a paz, interna e externa" e sustentabilidade. Para o músico, o cidadão que entende a transformação da sua cultura sente-se seguro, logo acolhedor e acolhido. Tal como o povo de Cabo Verde, que define este sentimento numa palavra: morabeza.
No final do debate, ainda sobre políticas culturais, Adão Silva falou na importância de um trabalho de consolidação a vários níveis, desde o apoio às artes, ao património e museus e também nas políticas sobre diálogos, defendendo uma maior atenção em Portugal para a forma como a cultura pode ser um fator de inclusão e de diálogo inclusive nas escolas. É, disse, preciso que as instituições "se aproximem das linguagens culturais dos jovens" e que a escola esteja "aberta ao hip hop e ao rap", entre outras manifestações.
Mário Lúcio demonstra que todos somos um resultado de muitas heranças culturais
No quinto "Diálogo de Sustentabilidade", o homenageado foi um dos intervenientes: Mário Lúcio, ex-ministro da Cultura de Cabo Verde, é também uma das figuras mais reconhecidas do seu país e o seu escritor mais premiado a nível internacional. Artista, cantor, poeta, "tem passado a vida, quer nos trabalhos culturais como no seu discurso", a "demonstrar que todos somos um resultado de muitas heranças culturais", disse, ao JN, Francisco Madelino, presidente da Fundação INATEL. Autor do "Manifesto à Crioulização", sobre o fenómeno da crioulização no Mundo, Mário Lúcio está também nomeado este ano pelo seu disco "Migrants", para o Prémio da Critica Alemã.